Professor Walter Osswald
O nosso entrevistado celebrou recentemente 90 anos de vida.
Do seu vasto currículo permitimo-nos destacar alguns detalhes.
É professor catedrático aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Continua a dedicar-se à docência e à investigação na área da Bioética.
É autor de mais de quinhentas publicações e doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra.
Foi agraciado com outras várias ordens honoríficas.
É associado AMCP com o número 485.
É casado com Domingas Osswald, técnica superior aposentada da Faculdade de Medicina do Porto.
Tem seis filhos e onze netos.
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Em primeiro lugar, as nossas maiores felicitações pelos seus 90 anos de vida recentemente celebrados, a 20 setembro; e pela ainda mais recente condecoração com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito da Instrução Pública, a 24 de outubro na UCP/Porto, pelo Presidente da República. Trata-se de uma homenagem que se junta a muitas outras com que merecidamente foi agraciado. O que significa para si esta alta distinção agora recebida?
Tenho uma atitude prudencial em relação às distinções honoríficas, já que muitas vezes não são atribuídas aos heróis anónimos da vida e, porventura, têm sido distinguidas pessoas pouco merecedoras. Por isso tentei evitar condecorações e recusei algumas, mas não podia rejeitar a de Comendador da Ordem de S. Gregório Magno, atribuída pelo Santo Padre João Paulo II sem que tivesse sido consultado ou prevenido. Depois veio a Grã-Cruz da Ordem de Santiago de Espada, a Medalha de Ouro de Serviços Distintos do Ministério da Saúde e agora a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública. Tive ainda 3 Prémios Pfizer, de investigação, o Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes e o Prémio Frei Bernardo Domingues.
É para mim claríssimo que é sobretudo a generosidade dos responsáveis que deve ser reconhecida e não os meus méritos, que nunca consistiram em mais do que o esforço de cumprir os meus deveres e de obedecer à minha consciência.
Ao ler o seu extenso currículo, que tivemos de resumir como introdução a esta nova conversa, parece-nos quase impossível que uma só pessoa tenha tido tempo para desenvolver tantos projetos! Ao seu trabalho como médico, junta-se o de investigador e de professor, o de dirigente associativo, entre outros. Os seus dias também são de 24 horas?
Não, não. Sou até, por natureza, um preguiçoso… Mas faço o possível por corrigir essa tendência para não programar e ir deixando lugar para o imprevisto. Nos dias de semana vou ao Instituto de Bioética da Universidade Católica, que continua a conceder-me um local de trabalho, acesso ao Secretariado e à (excelente) biblioteca, para além da oportunidade de trabalhar com os colaboradores e doutorandos – é uma infusão de novidade e de exigência intelectual.
À tarde leio, estudo, escrevo e, sempre que possível, dou longos passeios a pé junto ao mar e ao rio, com minha mulher. Ainda há tempo para me por a par dos acontecimentos do dia e, à noite, para selecionar um filme que valha a pena ver. Os fins-de-semana são culturais e familiares – se não posso viver sem livros, não poderia sequer respirar sem o bafo dos que me são queridos.
Permita-nos uma pergunta mais pessoal. É sabido que sempre fez por estar próximo dos seus familiares e amigos. Como concilia as importantes áreas Trabalho-Família?
Creio que já respondi, mas acrescento que tal é possível por eles e eu respeitarmos mutuamente o nosso trabalho e ocupações. Por exemplo, nunca tivemos um dia fixo para reunião e refeição familiar; mas, de vez em quando, após consulta sobre disponibilidades, lá nos reunimos, todos os que podem, e é sempre uma festa: em nossa casa ou na de um deles; dos seis filhos, cinco vivem no Porto ou arredores.
De tudo quanto fez ao longo da vida, o que considera, se assim podemos dizer, a sua maior conquista profissional?
Sou mau juiz em causa própria, claro. Eu diria, todavia, que os factos de maior significado e que continuam a ter consequências positivas foram:
– no plano académico, a consolidação de um grande grupo de investigação, com aceitação internacional e a publicação do primeiro livro de texto, nacional, de Farmacologia e Terapêutica, já com seis edições, caso único na bibliografia médica portuguesa;
– na área da intervenção cívica, a actividade, durante 5 anos, da Comissão Nacional de Humanização dos Cuidados de Saúde, a que presidi, e cujo trabalho contribuiu poderosamente para o maior relevo dado à pessoa doente no sistema de saúde;
– na difusão, ensino e debate em Bioética, através do Centro de Estudos de Bioética, de que fui co-fundador, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, onde trabalhei durante sete anos, e do Gabinete de Investigação em Bioética, seguido pelo Instituto de Bioética da Universidade Católica, e de que fui primeiro responsável.
Mas nada disto teria sido possível se não tivesse sido, como foi, o resultado de um esforço colectivo de um grupo de pessoas de boa vontade e de muita capacidade, postas ao serviço do bem comum.
Vê com preocupação e/ou com esperança o ensino e o exercício da Medicina em Portugal? Entre outros temas em discussão, pensa-se uma nova faculdade, há médicos com dificuldades de acesso à especialidade, a questão da emigração…
Excederia muito o espaço de que disponho dar uma resposta cabal a esta pergunta crucial.
Os problemas enunciados são reais e muito concretos, mas quanto a mim a raiz de todas as dificuldades e problemas está numa desvalorização, a todos os níveis, da essencialidade dos cuidados médicos, que é a de estar ao serviço da pessoa doente – e sublinho a palavra pessoa – ou que será doente no futuro. Só a partir desta noção é que será possível ir desenhando programas e projectos, linhas orientadoras e normas de acção.
Não é a tecnologia que salva o SNS, mas o diálogo médico – doente, franco, respeitoso, transparente, compassivo; a tecnologia é uma ajuda, uma serva de enorme utilidade mas nunca um fim em si mesma.
Desempenhou cargos de chefia na Federação Internacional dos Médicos Católicos. No geral o que encontrou de similar, e de diferente, entre ser médico em Portugal e noutros países da Europa e do Mundo?
A actividade associativa internacional na área médica é interessante e fecunda, mas também pode desiludir quem julgue que através dela é possível alcançar um estado ideal de excelência ou de medicina humanizada. Temos de ser modestos e prudentes, de respeitar circunstâncias regionais e particularidades locais e de procurar a unidade no essencial, aceitando a diversidade no opinável, como recomenda S. Tomás de Aquino. O que preocupa mais o médico católico nas Filipinas não é necessariamente o mais importante para o colega alemão e há problemas com o relacionamento com o poder civil em países africanos que são desconhecidos no mundo ocidental.
A minha experiência de 12 anos na Federação Internacional dos Médicos Católicos (FIAMC), como vogal, secretário-geral e presidente, foi muito rica e formadora, a nível de experiência, de contacto com outras realidades e de tentativa de ajudar a encontrar, sempre, o que nos une como Associações de médicos católicos, trabalhando em condições sociais, políticas, étnicas, religiosas tão díspares.
Não quero ser formal, mas a união de esforços e de afectos é possível, na concretização da frase que a Acção Católica tanto difundiu, ou seja de almejarmos o coração uno e a alma una.
É membro da Associação dos Médicos Católicos Portugueses desde há décadas. Além de associado teve também a função de dirigente. O que significou para si esta ligação a uma associação que, à partida, rotula de imediato quem a ela se associa? Ser católico, de que forma isso influencia a profissão de médico?
Creio que sou membro da AMCP desde 1974, altura em que, logo a seguir, fiquei presidente nacional. Fizemos a primeira reunião nacional, com grande participação, logo após o 25 de Abril e os tempos conturbados que se seguiram foram muito úteis para debate e adopção de atitudes.
Foi a altura apropriada para mostrarmos que a Associação não era política nem promovia pessoas ou instituições, que os seus membros se declaravam católicos com a profissão e a vocação de médicos, que actuavam de acordo com o Magistério mas conservavam a independência de reflectir e propugnar pelas atitudes certas nos grandes problemas morais, alguns deles novos, que se põem no exercício da Medicina.
Também insistimos no papel fulcral que o ser católico tem no médico que optou por assim se definir: ser o melhor e mais competente médico dentro das suas capacidades; e ser capaz de ver em cada pessoa que a ele recorre a face sofredora de Cristo.
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